“Os cidadãos não poderiam dormir tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis” – disse Otto von Bismarck, ex-chanceler alemão. A isso eu acrescentaria que não durmo tranquila pois muitas perguntas não querem calar. A mais perturbadora para mim é por que a lei brasileira gosta tanto de bandidos. O cidadão de bem, aquele que trabalha e luta contra as dificuldades enraizadas em nosso país, possui um só direito: pagar quatro meses de seu suor em impostos e calar-se em atordoado mutismo. Pergunto-me qual a raiz dessa inversão de valores, onde o crime compensa mais do que a honestidade, e as respostas que me ocorrem não são nada confortáveis.
De um lado, intelectuais com tendências de esquerda que solfejam, em escritórios e salas com ar condicionado, acerca da injustiça social como moto gerador da má índole, enquanto cospem seus chavões ‘humanistas’ sobre a ‘arbitrariedade’ da força policial como resquício da ditadura militar. Do outro, legisladores que possuem interesse em deixar a lei tão elástica quanto possível, afinal muitos são advogados com um grande filão criminal entre sua clientela. Isso sem mencionar, é claro, políticos que lucram com a fraqueza legal brasileira, seja por cometerem delitos ou por cultivarem associações ilícitas com a cúpula marginalia. O resultado: os Direitos Humanos não pertencem a humanos direitos.
Vivi em um lugar muito humilde durante uma fase inglória de minha vida. Não chegava a ser uma Rocinha ou um Buraco Quente, mas tinha lá suas similaridades. O que tirei dessa experiência – e de outras, como estar constantemente no terminal Parque D. Pedro às seis horas da manhã de um rigoroso inverno, vendo centenas de trabalhadores enlatados em um ônibus logo cedo – é que a lei é feita e ensinada pelas pessoas erradas. Perdidas em teorias vãs e sem contato com a realidade, ou simplesmente imersas em seus próprios e escusos interesses, esses professores, sociólogos, juristas, políticos, e quem mais seja, não enxergam – ou não querem enxergar – que a pobreza cria muito mais heróis do que bandidos. Tristemente, a lei brasileira afaga a esses poucos fracos, entregando a grande maioria, digna, à sua própria sorte.