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sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Vide Bula

Quem nunca comprou um medicamento na farmácia e leu na caixinha ‘Informações ao paciente, indicações, contra-indicações e precauções: vide bula’? Agora, se alguém jamais se deu ao trabalho de ler a caixinha, com certeza ao abri-la deparou com um papelzinho dobrado, normalmente três vezes no comprimento, ciumentamente impedindo que se pegue o conteúdo interno sem antes passar por ele – é a forma de forçar as pessoas a verem que, sim, há uma bula e ela deve ser lida. A lei, incentivando ainda mais os brasileiros a se informarem sobre o que ingerem, passam ou aplicam, exige que a informação ali seja a mais compreensível possível a leigos. Você lê a bula?

Sempre gostei desse pequeno informativo, não apenas por sua óbvia utilidade ao nos esclarecer, mas também pelo som de sua alcunha: Vide Bula. Tão simpática sonoridade já virou nome de banda de música, roupa de grife, ótica e sabe mais do quê. E deste artigo, claro, entretanto minha escolha pela expressão não proveio desta sua musical característica e nem da intenção de discorrer sobre fármacos. Inspirou-me o que foi escrito no Estadão por Carlos Guilherme Mota, historiador e professor de história da USP e do Mackenzie. O Sr. Mota, assim como eu agora, não se interessou pela questão da química curativa. Ele abordou nossa manquitolante Constituição.

Frei Caneca, em 1823, disse que “Constituição é a ata do pacto social”. Já para mim, ela é a bula social e que – tal qual sua xará farmacêutica – deveria conter definições e instruções simples, claras e diretas e estar persistentemente presente em nossas vidas de forma a que não se pudesse chegar a nada sem passar por ela. Tomar medicamentos sem ler a bula é confiar cegamente no médico – só que ao ler a bula saberemos sobre os efeitos colaterais, já que o médico não tem bola de cristal e não tem como saber se padeceremos deles. Viver em um país sem saber de sua Constituição é confiar cegamente nos políticos, sem questionar os efeitos colaterais de suas decisões.

Só que a bula do nosso país precisa antes passar por uma reforma, protelada e nem sequer mencionada na nova enxurrada de propagandas eleitoreiras que mais uma vez vêm satirizar nossa inteligência (ou ausência dela). O problema com nossa Constituição é que ela, em 1988, foi um avanço e hoje – mesmo remendada do jeito que está – não é suficiente. Pelo contrário. Acontece que a base governista não deseja essa reforma, quer apenas ‘uma revisão'. Infelizmente para nós, pois caminhamos para um caos social - uma alergia ao medicamento, digamos assim. E, ainda pior, nem saberemos o que fazer, pois - desatualizada ou não - não lemos a bula.