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terça-feira, 25 de agosto de 2009

O Peso das Palavras

Assim que começamos com a nobre arte de expressar pensamentos em palavras, não paramos mais – salvo lastimáveis exceções que mais tarde encontrarão sua própria forma de comunicação, caso essa for possível. A maioria de nós, porém, começa com o humilde mas tão esperado ‘papá’ ou ‘mamã’. Depois passamos pela irritante fase papagaio e pela a ainda mais enervante ‘por quê? por quê?’, para depois sermos, se afortunados, iniciados nas letras, em sua leitura e escrita. A partir desse ponto, o céu será apenas limitado por preguiça ou descaso.

Palavras encontram-se em poemas e estatutos, em música e marcos comemorativos, nas rádios e nos livros, na política e nas escolas, em nossos lares e fora deles. Palavras podem ser belas ou de baixo calão, trazem significados profundos ou se vão jogadas ao vento, rimam umas com as outras ou não, são murmuradas no ouvido amado, são gritadas na manifestação. Conseguem ser diretas, agressivas, doces, difíceis de aceitar, fora de hora e de lugar ou caladas quando mais preciso. São traduzidas em idiomas e traduzem ideologias, dogmas, beleza, despropósito. Para cada palavra que salva, existe uma que condena.

Palavras já carregaram em suas costas o fardo da criação, da ilusão, da intenção, da maldição de alguém. Palavras já levaram consigo saudações, dilemas, decisões, conspirações. Palavras já arrastaram atrás de si a hipocrisia, a alegria, o consolo ou a falta dele. O ódio, a redenção, o ócio e a determinação. Palavras já foram vazias ou repletas. Já se encaixaram perfeitamente em um contexto ou vagaram perdidas atrás de um. Palavras venderam, compraram, desprezaram, foram lembradas ou esquecidas. No entanto, elas nunca se importaram. Cada palavra, digna ou não, útil ou não, não passa de um mensageiro.

Por detrás de cada palavra existe quem a usa, quem a molda em mensagem. Certas pessoas são prolixas, dominem ou não suas palavras, tenham ou não tenham o que dizer. Há aqueles que as economizam por medo, mesquinhez ou falta de vontade. Alguns as usam para preencher um vácuo que pensam estar lá e outros se satisfazem em ouvi-las, se lá estiverem. Os práticos as colocam em leis e em contratos, pois sabem que muitos não honram suas palavras sem carimbos e autenticações em cartório. Há quem as cante e quem as cuspa em um microfone. Os que as escrevem e os que as leem. Mas todos nós, de uma forma ou de outra, as usamos. E pergunto: quantos de nós arcamos com seu peso, uma vez tenham elas sido usadas?

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Desnorteados

Na questão do princípio e do fim, esse mundo tem de tudo. Há aqueles que desejam descobrir como surgiu o Universo e se este teria um fim – ou se estaria caminhando para um. Outros se questionam como a vida começou na Terra e, quando esta se acabar – de forma natural ou com uma pequena ajuda nossa – se há vida em outros planetas e se lá haveria um espacinho para os terráqueos desterrados. Já para a imensa e mais prosaica maioria, a questão é se a vida começa na concepção e se morremos apenas uma vez ou ficamos dando voltas na roda gigante da reencarnação.

Apesar de serem todas essas questões muito interessantes, eu particularmente prefiro me ater à problemática daquilo que é e está, não aos pontos que definem a entrada e saída dessa confusão. Independentemente do berço e do sepulcro, há todo um presente a ser tratado com carinho. Cada passo que damos, cada decisão que tomamos, desencadeia uma gama de situações que, por seu lado, irão disparar outro incalculável número de consequências e assim por diante. Também acredito que é no presente onde mais clara se encontra a imensa responsabilidade para com nós mesmos e para com os outros, o que exige constante atenção ao que está contemporaneamente à nossa volta.

O passado, assim como a História, é precioso e nos ensina. Com ele aprendem o bebê e o valentão. O futuro é uma incerteza a ser cultivada com cautela e parcimônia. Muitos não trocaram beijos pela manhã pensando em fazer as pazes à noite e, tristemente, o futuro lhes reservava coisa diversa. Já o presente está aí, mais vivo do que nunca. Entretanto, que fugacidade tem ao se transformar em passado de um segundo para o outro, escapando por entre nossos dedos! Como apoiar-se nesse presente arredio que, se de um lado mostra sua face em cores vivas, faz questão de ir embora sem se despedir?

O estonteante resumo dessa obra seria um misto entre as lições do passado, o trabalhado feito no presente e a austera esperança nesse tão sonhado futuro. Infelizmente, acho que nós brasileiros somos uma bússola inútil girando enlouquecida por todos os cantos dessa rosa dos ventos chamada vida. Desprezamos nossa História, não tendo, portanto, o devido respeito para que possamos aprender com ela. Nosso presente está ao Deus dará (e não tem dado muito, pois Deus ajuda a quem se ajuda – o pessoal lá em Brasília conhece bem a lição). E nosso futuro... Bem, nosso futuro... Quem sabe felizes no próximo carnaval, no próximo jogo de futebol, na próxima eleição, na próxima encarnação ou na ressurreição dos mortos. Quem sabe?

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

A Culpa e a Vergonha

Uma vez, durante um seminário no Teatro Escola Macunaíma, tive o prazer de assistir a uma palestra de um sociólogo do qual infelizmente não me recordo o nome. Entre outras coisas, foi levantada a questão da diferença entre a culpa e a vergonha. A sutileza, desses que são sentimentos humanos por excelência, mereceu algumas horas de consideração de minha parte, não apenas na época, mas durante esses últimos tempos, onde escândalos de corrupção política em Brasília parecem contradizer qualquer esperança, não apenas de retaliação, como também de retratação.

Tanto a vergonha como a culpa nascem de alguma forma de interação social, embora suas naturezas divirjam quanto ao gatilho que as disparam. Imagine-se em um elevador na companhia de outras pessoas que não sejam de seu contato mais íntimo. O espaço exíguo automaticamente sugere proximidade física não condizente com o nível de relacionamento com seus companheiros nessa curta viagem comunitária. De repente, pesadelos dos pesadelos, você não consegue refrear os sonoros gases que a maravilhosa couve do almoço gerou em seu intestino. Vergonha, sim, mas não é culpa sua não conseguir esperar por um momento mais apropriado.

Por outro lado, para que possamos sentir tanto uma quanto outra, é necessário haver consciência, é necessário que, de uma forma ou de outra, consideremos importantes nossas interrelações com os outros e que haja um mínimo de autoavaliação de nossos atos e suas consequências. Sem isso, qualquer atitude, por mais nociva ou vexatória, passará ao largo de qualquer percepção e, em decorrência, serão anuladas as possibilidades de fazer algo que, se não corrigir, irá ao menos minimizar os efeitos e gerar aperfeiçoamento para que ações futuras sejam mais felizes e pertinentes.

Os orientais são famosos por sentirem vergonha, pois valorizam o orgulho e a dignidade. De forma inversa, os ocidentais – os latinos em especial – possuem inclinação mais enfática à culpa, pois suas regras pessoais e sociais são historicamente mais elásticas, portanto, há espaço para contravenção. Sempre há espaço para driblar o arrependimento e para fugir à punição. Se no deprimente caso no elevador não havia nada que se fazer – a não ser maldizer à couve pelo apuro – em nosso Senado, particularmente no caso do senhor José Sarney e associados, não há desculpa, mas apenas a incapacidade se cultivar honestidade e uma saudável dose de vergonha na cara.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Criando Cobras

Somos seres orgânicos, compartilhando não só do mecanismo genético da Natureza, como também das heranças genéticas comuns a vários outros seres. Perdoem-me os Criacionistas, mas Darwin tem razão em sua Origem das Espécies. Com isso não quero dizer que não há um Deus, mas óbvio está que, se Ele teve intenções especiais para com o ser humano, teve que usar as velhas regras naturais para chegar à sua ‘Obra-Prima’, o Homo Sapiens. Guardo cá comigo minha opinião sincera acerca de sermos ou não o alvo da divina criação, porém, em caso afirmativo, que papelão não estaríamos fazendo, não é verdade?

A célebre contenda entre Santo Agostinho e Pelágio ilustra bem o ponto-chave de minha opinião sobre quanto de predestinação ou de livre-arbítrio existe em nossa situação humana. Foi uma longa e douta discussão, essa entre os dois, mas fico com Pelágio quando diz que a condição humana é perfeitamente natural, fruto das leis da Natureza, e não uma praga divina sempre a pairar sobre nossas pecadoras cabeças. As doenças que nos afligem são de origem natural e, devo dizer, nossa sapiência está fazendo de tudo para piorar as coisas para nós – e nesse ponto talvez Santo Agostinho tivesse razão, caso a parte de Deus em nós atender pelo nome de Sapiência.

As espécies animais e vegetais se adaptam ao mundo natural. Em nosso humano caso, forçamos o mundo natural a se adaptar a nós – só com aparente sucesso, como está cada vez mais claro. Não tenho dados precisos sobre a variedade de doenças que afligem aos demais seres, mas a contar pelos inúmeros trabalhos científicos que traduzi, estamos em primeiríssimo lugar entre os seres mais atacados por doenças e fraquezas genéticas. Não obedecemos à seleção natural, superpovoamos à revelia da disponibilidade de recursos e espaço físico, poluímos nossa água, ar e alimentos. Sinceramente, não existe obra-prima orgânica que aguente esse bombardeio.

Temos vacina para a gripe, mas também a gripe suína. Esta não é a primeira, nem será a última gripe. Vírus é vírus, anda entre nós com a graciosidade e acrobacias de um bailarino no palco. Só que infecções virais não chegam aos pés da mortandade causada por infecções bacterianas e estamos, através do uso errôneo e indiscriminado de antibióticos, a alguns passos de conseguirmos aquela que será a obra-prima de nossa ‘sapiência’: a superbactéria. Não vejo nisso os agostinianos Sete Pecados Capitais, apenas a forma canhestra como nossa espécie tenta sobreviver. Entretanto, ao olhar em volta e ver o estado em que se encontra o mundo, acho que estamos perdendo feio. E, sabe como é, a Natureza sempre dá a palavra final.