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quinta-feira, 30 de abril de 2009

Os Dois Lados do Atlântico Sul

Como tradutora, ao final do ano de 2008, tive a felicidade de ter em mãos um expressivo documento de mais de 150 páginas versando sobre a educação terciária na África Subsaariana. Trata-se de um estudo baseado nos dados do Banco Mundial e nas MDMs (Metas de Desenvolvimento do Milênio), direcionado às autoridades daquela região e a seus parceiros de desenvolvimento, analisando a necessidade e o desafio da reforma educacional, bem como a de investimentos em educação, de maneira a que os países possam adquirir a qualificação e a especialização que precisarão para a bem-sucedida participação na atual economia global.

Já no princípio deste ano de 2009, ao colocar minha sempre atrasada leitura de atualidades em dia, deparei com dois textos publicados na revista Veja: uma entrevista, onde a antropóloga Eunice Durham discorre sobre as bases precárias de nosso ambiente pedagógico, e um artigo assinado por Gustavo Ioschpe que disseca as carnes decrépitas da educação brasileira. Lógico que em um ambiente onde o tupiniquismo se une ao pensamento populista e a conveniências particulares, as tais opiniões foram alvo de retaliações que atingiram proporções desmedidas se comparadas com a simples objetividade com que o assunto da educação foi tratado por ambos.

Fato é que as três fontes contêm elementos alarmantemente semelhantes. Como se faz isso possível, se a África Subsaariana se encontra retalhada em 47 países, em constante conflito étnico, político e linguístico, e o Brasil é um só país, sob o mesmo idioma e Constituição? A resposta é que temos vilões em comum, responsáveis pela tragédia educacional nos dois continentes e que resistem ao tempo, às pertinências e a mais pura lógica administrativa, tramitando incólumes de um lado a outro do Atlântico Sul.

Brasil e África compartilham da inépcia em fazer com que o capital humano bem qualificado seja a força motriz da produtividade, do empreendedorismo, da competitividade na exportação e, em decorrência, do bem-estar social. Relutam, por questões de popularidade política, em enxugar o sistema de ensino para que este seja efetivo, mesmo que isso signifique lutas ferrenhas com o corporativismo de profissionais que não falam em deveres com a mesma energia com que bradam seus direitos. A formalidade arcaica de uma nata acadêmica solfejante se mantém firme nos dois continentes, mesmo diante da absurda presença de uma alfabetização caquética e da ausência do uso eficaz da leitura e do aprendizado. Não se pluraliza o acesso à educação na forma, por exemplo, de ensino não-presencial ou cursos técnicos terciários, mais baratos e direcionados. E, sem que isso esgote o assunto, não remanejam eficientemente as verbas de educação, distribuindo-as de forma estratégica entre os cursos primário, secundário e terciário, investimentos públicos e privados, bolsas e empréstimos educativos.

Brasil e África precisam, através da ação de seus governos e da participação ativa da sociedade, dar a esta questão educacional a prioridade que merece, sem protecionismos ou filosofias vãs. As consequências de não dar ao assunto a devida importância e objetividade tendem a ser catastróficas e assumirem a forma de alunos graduados mas sem qualificações profissionais viáveis, altos níveis de desemprego, alienação pessoal e exclusão social, e instabilidade política e econômica decorrente do desenvolvimento precário e baça competitividade frente a outros países mais estruturados no setor educacional.