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terça-feira, 16 de junho de 2009

A Mala-Sem-Alça e os Pés-de-Chinelo


Não sou muito de televisão, prefiro um bom livro. Mas eis que, em meu caminho da cozinha para o quarto e de passagem pela sala, tive a oportunidade de ver a nova propaganda das Havaianas. Marcos Palmeira na linha de frente, cercado por batuqueiros e saradonas seminuas numa mesa de bar. E no auge da alegria folgazã, chega a estraga-prazeres – baixinha, gordinha, de óculos – trazendo à baila o mau-humor da crise internacional. Antes que a ficha caia, puxa-se mais um sambinha e põe-se a tragédia de lado. E por que não? A crise foi criada ‘por gente branca de olhos azuis’ e nós somos apenas os mestiços pobres e bem-intencionados. Lá neva, aqui faz sol. E comprar um par de chinelos, afinal de contas, não ameaça o orçamento de ninguém!

O Brasil é o país em eterno desenvolvimento. Aqui até chinelo-de-dedo consegue o status de sandália rasteirinha, o que sumariza o teor geral de nossa evolução tupiniquim. Lembro-me do Chico Anysio em uma outra e mais antiga propaganda das Havaianas. Nesta, o personagem é do tipo povão e garante que o chinelo não deforma, não solta as tiras e não tem cheiro. Perfeito, já que na época os pés que usavam Havaianas eram rachados e cobertos com pó de cimento. Dez em cada dez pedreiros e serventes usavam Havaianas, preferencialmente de cor azul-calcinha. E fazendo bom uso da imaginação ao ouvir a música ‘Construção’ de Chico Buarque, pode-se até ver o peão de obra despencando do prédio e sendo fielmente seguido por seu eterno companheiro, ambos caindo em meio aos carros, o homem espatifado, o chinelo ainda com suas tiras no lugar.

O tempo passou e os garotos-propaganda das Havaianas mudaram, enriqueceram, se tornaram mais fashion. Tom Jobim, Vera Loyolla, Cláudia Abreu, Fábio Assunção, Daniela Cicarelli, Luana Piovani, Rodrigo Santoro, Fernanda Lima, Déborah Secco, Raí, Luma de Oliveira, Reynaldo Gianecchini... Enfim, um verdadeiro desfile de celebridades mostrando que as Havaianas são a cara do nosso país tropical, acessório essencial em qualquer parte dos nossos 8.000 kms de litoral e a serem religiosamente usadas na descontração dos inúmeros feriadões emendados pelo quais somos mundialmente conhecidos. As personalidades acima são chiques, Havaianas são chiques, por consequência, o Brasil é chique quando calça Havaiana. E tudo que é chique é à prova de crise, mundial ou não.

Então, como sugerido pela propaganda recente, deixemos a tristeza de lado, vamos sorrir como Marcos Palmeira e seus fiéis seguidores. Vamos esquecer nossos desempregados e os empregos mal-remunerados (e os régios salários em Brasília). Aqui a crise não entra. Temos bolsa-família e vale-transporte, não temos porque temer. Nossos japoneses são melhores, nossos pobres devidamente assistidos, nosso governo formado por super-homens! Que o resto do mundo acabe em barrancos, pois temos nossas praias e o carnaval, a formarem à nossa volta um campo de força intransponível. E, acima de tudo, temos Havaianas, as legítimas. Só não entendo porque o Chico Buarque anda meio desaparecido. Com todos esses incentivos, ele bem que poderia contribuir com um sambinha para a próxima campanha das Havaianas.