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terça-feira, 30 de junho de 2009

O Dorian Gray do Admirável Mundo Novo

Tenho idade suficiente para ter ouvindo, em tempo real, a voz infantil de Michael Jackson na melodiosa ‘Music and Me’ de 1973. Como também acompanhei, por osmose, os altos e baixos da carreira e da vida pública-apesar-de-pessoal do artista. Foi também de forma involuntária que fiquei sabendo de sua morte, pois apesar de reconhecer que esse ídolo do pop foi efetivamente um talento como poucos, nunca fez parte de minhas preferências em gênero musical. Seja como for, uma curiosidade tardia me levou a assistir uma reportagem especial sobre ele no domingo passado, o que acabou por inspirar o que vai a seguir.

A arte imita a vida ou a vida imita a arte? Assunto espinhoso, mas de qualquer forma a escolha de Michael Jackson por imitar Peter Pan em sua Neverland foi equivocada. Achando-se presa do complexo da eterna infância, o astro do pop não percebeu que sua vida estava, sim, em dois outros clássicos da literatura. Em ‘O Retrato de Dorian Gray’, o protagonista do título possui um retrato que vai se deformando conforme absorve todos os vícios e imperfeições do caráter corrompido de seu dono. E logicamente em ‘Admirável Mundo Novo’, onde as pessoas vivem sua eterna juventude física graças aos mais variados estratagemas da estética científica e acabam por morrer de síncope orgânica, quando o prazo de validade de seus corpos estava mais do que vencido – mas morriam esticadinhos, sem rugas, pelancas, manchas. Esses livros foram publicados respectivamente em 1891 e 1932

Michael Jackson se disse vítima de um pai insensível diante da vergonha que ele, Michael, sentia de seu largo nariz afro-americano. Depois foi uma fã hipersensível à impressão aquosa de suas espinhas adolescentes. Melhor seria ter dito que foi vítima do mundo inteiro, onde qualquer deformidade de caráter é aceitável desde que não altere as linhas perfeitas de uma aparência impecável. E é aqui que Michael Jackson provou que não era o seu tão enaltecido Peter Pan – nenhuma criança verdadeira se preocupa com detalhes adultos. E exatamente como Dorian Gray, quando afinal seu retrato foi destruído pelas inúmeras e compulsivas plásticas que seu caráter obsessivo exigia, ele morreu – mas morreu branco, de nariz fino e cabelo liso, como sempre quis.

Michael Jackson poderia ser lembrado unicamente pelo seu enorme talento e carisma de palco. Infelizmente será também lembrado como o ser cuja obsessão deformou não só seu rosto, mas sua vida e a das pessoas a sua volta. E mesmo nisso ele se mostrou predestinado a sobressair-se em meio às massas, ditando-lhes seu modo de vida. Nosso admirável mundo novo não quer envelhecer, não quer manchas senis em suas mãos, nem ter expressões faciais que gerem rugas em torno de seus olhos. Só existe um tipo de lábios – os de Angelina Jolie – só existe uma lei: seja aquilo que o mundo quer que você seja ou morra, e deforme-se, tentando.