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sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Receita do Caos


O estado primordial, primitivo do mundo é o Caos. Era, segundo os poetas, uma matéria que existia desde tempos imemoriais, sob uma forma vaga, indefinível, indescritível, na qual se confundiam os princípios de todos os seres particulares. Nos tempos modernos, Caos significa desordem, falta de regras e leis. Confusão geral. O Brasil poderia ser, nesse quesito, o melhor exemplo de que o Caos não apenas sempre existiu, como jamais será domado e podendo ainda ser aprimorado. Devíamos requerer patente 'Caos Made in Brazil' e vender a receita para outros governos que desejam lucrar com bagunça.

Não é necessário ir muito longe para ver por que decidi abordar tal tema essa semana. Posso resumir em uma palavra minha fonte de inspiração: Rio de Janeiro. Alguns estão dizendo que é intriga da oposição esse desatino acontecer logo após nossa gloriosa vitória para sediar as Olimpíadas nessa cidade. Verdade é que o que os olhos não veem o coração não sente - e o que os estrangeiros não viram no bem elaborado material de propaganda sobre a 'Cidade Maravilhosa', levou-os achar que o paraíso é ali. Mas a realidade sempre se impõe à fantasia e o resultado é vexatório àqueles que venderam gato por lebre.

Não se pode fugir da verdade de nossa situação enquanto país e povo. Não será um carnaval, uma copa do mundo ou qualquer outro circo que se arme junto com uma boa dose de pão que irá modificar a situação em que vivemos. Nós nos iludimos porque queremos e somos incentivados a isso, é a fome com a vontade de comer. Pena que após os festejos sempre chega a segunda-feira e com ela o amargo sabor do sonho que se esvai, dando lugar à melancolia daquilo que não pode ser evitado: a luta árdua do brasileiro para conseguir ser um pouco feliz apesar de tudo.

Existem culpados pelo nosso disabor, mas os principais causadores dessa inglória situação somos nós mesmos, pois quando o governo entra com a farinha, a gente entra com os ovos. Fingimos que não podemos fazer nada contra o descaso, a ardilosidade, a ganância e a falta de moral de nossos políticos e demais funcionários da máquina executiva, legislativa e judiciária. E eles, em troca, nos dão umas migalhas para comer e um showzinho para nos divertirmos. O resultado não poderia ser diferente. No entanto, apesar de 'O Estado de São Paulo' continuar proibido de publicar qualquer coisa sobre o Sarney, não dá para fazer o mesmo com os jornais do mundo em relação ao Rio. A receita brasileira não cozinha muito bem lá fora.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

A Última Fronteira Humana


George Orwell, ou melhor, Eric Arthur Blair (seu verdadeiro nome) foi um escritor cuja marca registrada era sua aversão contra toda forma de autoritarismo. Em seu livro '1984' – escrito em 1949 – ele descreve uma sociedade oligárquica coletivista que reprime qualquer um que a ela se oponha. O ‘Grande Irmão’ (isso mesmo, Big Brother) mantém vigilância sobre todos, vinte e quatro horas por dia. O personagem principal, Winston Smith, é o encarregado da propaganda do partido, forjando documentos, notícias e modificando até mesmo a História para que esta coincida com os interesses do governo. Ou seja, apaga a memória do povo, já habituado – treinado – a esquecer.

A ideia de Orwell, longe de ser fantasia, é um fato histórico acontecido não apenas na política. Na Idade Média, a Igreja Católica queimou livros que iam contra seus dogmas e destruiu objetos de arte pagãos. Combateu ainda a tradição oral arraigada na população, celebrando santos e festivais católicos nos mesmos dias e épocas cultuados por outras religiões locais. Um caso clássico de como a manobra funciona é a Festa Junina. Ninguém mais sabe, mas 24 de junho é o solstício de verão europeu, dia em que os celtas celebravam a fertilidade em volta de uma fogueira (exatamente, só que não havia casamento, pois não era uma tradição desse povo). Lavagem cerebral pura - e quem não esquecesse, era queimado junto com os livros e demais artigos queimáveis.

A queima ou proibição de livros e a opressão à liberdade de expressão são usuais ferramentas do totalitarismo. Foram esses estratagemas usados por Stálin, Hitler e outros representantes de ditaduras (de esquerda ou direita), bem como por todas as religiões que impõem seus dogmas. Com os avanços nos meios de comunicação, rádios, canais de TV, jornais, revistas e outdoors começaram a ser ‘recrutados’ a serviço de ‘verdades únicas e irrefutáveis’, pois não basta proibir que as pessoas se expressem, é necessário controlar o que elas pensam. Pode-se impedir um ser humano de agir e falar, mas não se pode obrigá-lo a não pensar. Ou se pode?

O pensamento é o último território a ser conquistado por tiranos. Controlar a mente de uma pessoa é tirar-lhe a autonomia, a análise, a contestação. Nesta época de estímulos sensoriais imediatos, é fácil transformar seres pensantes em comportadas marionetes. Junte-se a isso a tendência mundial à inércia mental, à credulidade irrestrita e ao consumismo desenfreado. Preguiça de usar os neurônios, seguir cegamente um líder para não se responsabilizar pelos próprios atos e acostumar-se a usar e jogar fora são características desejáveis quando não se quer um ser íntegro, mas um dócil e obediente bichinho de estimação – em outras palavras, quando se quer conquistar a última fronteira humana.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Quando Silêncio é Culpa

Sim, eu sei. O silêncio é de ouro, a palavra é de prata. O velho ditado funciona bem em diversas situações humanas. Durante uma discussão familiar, por exemplo, quando estender o assunto durante o acesso de raiva irá minar as bases de um relacionamento – e, como dizem os antigos, vaso quebrado mesmo colado não aguenta mais água e flor. No ambiente profissional também, principalmente em dia de dor de cabeça, contas a pagar (pior se for dia de pagamento e o salário não der) ou diante de um projeto ingrato com prazo já vencendo. Calar, por vezes, é obrigação moral.

Por outro lado, quanto menos uma pessoa fala, mais ela ouve e observa. Quanto mais ouvirmos e observarmos, mais chances teremos de perceber diferentes aspectos de uma situação ou de apreender detalhes sutis, mas importantes, do mundo a nossa volta. Também existe a tendência de gostarmos do som de nossa própria voz, como se naquele único momento de onipotência face à plateia (ou um exclusivo par de orelhas), compensássemos toda uma vida de anonimato em meio à multidão. Afinal, ao falar, expressamos nossas ideias e ideais ou simplesmente jogamos conversa fora para quebrar o silêncio, mas somos o centro das atenções – e quem não gosta de atenção?

Calar, sim, pode ser sinal de sabedoria. Talvez não concordemos ou saibamos que iremos gerar controvérsia e desequilíbrio quando isso não se faz absolutamente necessário. Calar pode igualmente demonstrar nosso apreço por quem fala, nossa empatia ou até mesmo simpatia para com essa pessoa. Nesse último caso, queremos apenas ouvir sem que nosso ego interfira, entender o que é dito, deixando o outro se expressar como bem entender sem emitirmos opiniões que interromperiam um afluxo de sentimentos que precisam ser desabafados. Elegância pura é saber ouvir uma opinião contrária e ao mesmo tempo ponderar as próprias opiniões face ao que é dito.

Infelizmente, existem situações na vida onde não falar é criminoso – ou prova cabal de um crime que jamais será admitido. Veja nosso prolixo (falante) governo federal. Gastam, seus principais representantes, palavras e mais palavras, todas obviamente enaltecendo suas melhores façanhas – a rigor uma meia dúzia delas, sempre a mesma meia dúzia criativamente expressa de maneira a parecer que são mais de seis. Belas propagandas de TV, ninguém há de negar. Mas tais representantes do povo não proclamam publicamente as suas incompetências, seus desatinos, seus salários e mordomias indecentes. Não prestam conta dos impostos que cobram, nem espalham aos sete ventos suas verdadeiras intenções. Nesse último e execrável caso, calar é hipocrisia pura - nada, além disso.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

A Temida Evolução Não-Presencial

Na revista eletrônica ‘Justiç@’, o estudante de direito Vitor Eduardo Tavares de Oliveira termina seu artigo sobre a constitucionalidade da videoconferência em audiências criminais da seguinte forma: “É certo que a Lei veio com a melhor das intenções no sentido de legalizar tal procedimento... Ainda assim, o uso da videoconferência não é necessário, devendo ser evitado.” Não irei me imiscuir em intrincadas questões legais – as quais, por sinal, não domino – nem entrarei no mérito da afirmação final de Vitor. A questão para mim é: Por que achar que uma videoconferência é menos eficaz em seus resultados práticos?

A tecnologia pode ser um simples lazer – sendo computadores, celulares e demais eletrônicos os nossos brinquedos modernos – mas sua maior contribuição foi para o trabalho e sustento de várias pessoas. No entanto, todo o potencial desse avanço profissional é limitado pela medrosa tradição de que, para um relacionamento ser bom, ‘deve haver química, uma coisa de pele’. Concordo que nas relações pessoais é fundamental haver presença física, porém seria o mesmo aplicável às demais interrelações humanas? O patrão precisa estar literalmente no seu cangote para que você faça um bom relatório contábil? Um juiz tem que, obrigatoriamente, respirar o mesmo ar que o réu ao analisar as alegações deste?

Em uma época em que os grandes centros padecem com poluição e congestionamentos, estranha é a relutância em se trocar a necessidade de locomoção pela comodidade do trabalho à distância. Vários serviços e profissões, graças à tecnologia e à banda larga, podem muito bem ser exercidos por pessoas em suas próprias residências. Estudantes também agradeceriam ficar uma horinha a mais na cama antes da primeira aula, quando então se conectariam à Internet e mostrariam, através de uma webcam, seus sonolentos olhos ao professor e aos colegas. Os presos ficariam nas prisões durante as audiências, não onerando a sociedade com os custos de uma arriscada baldeação pelas ruas.

Em países do Primeiro Mundo, já é normal certas funções nas empresas serem exercidas não-presencialmente e cursos à distância são muito procurados por baratearem o custo do ensino. Eu mesma trabalho para pessoas que se encontram na China, Índia, Europa, Argentina e Estados Unidos – e temos um relacionamento profissional muito bom e eficiente, apesar de plenamente eletrônico. Talvez seja hora de, no Brasil, reavaliarmos conceitos caducos e apostarmos na qualidade de vida que a tecnologia pode trazer, usando-a em seu pleno potencial, para que todos os equipamentos à disposição não tenham tão somente a utilidade de um trenzinho elétrico.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A Cauda e a Cabeça do Dragão


Paul Krugman, economista e articulista do The New York Times, esta semana publicou um artigo sobre a mudança no clima terrestre causada pelo ser humano. Um entre tantos outros artigos que passam despercebidos – quando deveriam ocupar diariamente todas as primeiras capas de revistas, manchetes de jornais e minutos de noticiário – ‘Cassandras do Clima’ encerra em si a problemática da questão. Cassandra, na mitologia grega, é uma profetiza que, amaldiçoada por Apolo, não consegue fazer com que as pessoas acreditem em suas previsões. Da mesma forma, os atuais modelos climáticos lançam dados científicos sobre a questão e alertam para desastres iminentes, mas ninguém leva o assunto com a seriedade merecida.

Segundo Krugman – e eu concordo plenamente com ele – “parte do problema é que é difícil manter o foco das pessoas” (pois estão mais preocupadas com suas pequenas vaidades diárias, acrescento) e que “responder à mudança climática com a energia que a ameaça merece... embaralharia as cartas da economia, ferindo alguns interesses poderosos estabelecidos”. Em decorrência de tamanha incongruência humana, políticos, legisladores, chefes de Estado, a mídia e outros detentores de poder não tomam providências rigorosas de controle ambiental e nem exigem, com o vigor necessário, que a população se adapte como se faz premente. Incompetência geral, pura e simplesmente.

Na Natureza não existe espaço para a incompetência, pois esta é prontamente destruída em prol da harmonia, pertinência e equilíbrio. Os aptos sobreviverão e terão a seu dispor todo o necessário para sua permanência e reprodução. E não há como ir-se contra as leis naturais uma vez que elas são a base da vida aqui no planeta. Tais leis, regentes da vida, existiram antes de tudo o que aqui se encontra e persistirão depois de todos os seres vivos encontrarem sua extinção. Esse é um fato sobre o qual não há apelação, emendas ou reformas constitucionais e qualquer ser, animal ou vegetal, que não prostrar-se em obediência à esta Magna Carta Primordial estará condenado à morte.

A incompetência humana está no paradoxo de o ser humano possuir raciocínio, ser capaz de ver e analisar todo um conjunto de informações, mas manter-se centrado no próprio umbigo à revelia da sobrevivência do mundo em que vive. Ao invés de sermos a caput draconis da criação, somos a cauda draconis do mundo natural, os instintos baixos governando a razão. O resultado é que o mais primitivo ser natural é menos nocivo à Terra do que mais elevado representante de nossa espécie. E apesar de nossa auto-idolatria dizer o contrário, não haverá glória naquilo que somos a menos que salvemos o planeta de nós mesmos. Se não o fizermos, o planeta dará cabo de nós, pois essa é a Lei da Vida - acima da qual ninguém está.